POESIA DE FERNANDO PINTO RIBEIRO publicada noutras revistas, jornais, editoras, blogs e outros espaços.
Se por ventura tiver poemas deste Poeta e os queira colocar nesta página, ou acrescentar outras indicações, agradecemos desde já o contibuto.
CILÍCIO
                        A Inês Ramos
amar
sem loucura nem pecado.
beijar com as asas
soerguidas
num voo orientado
através de trincheiras sucessivas.
não mais ficar parado
na curva do prazer
(hão-de explodir um dia em vão as feridas
do laço em que te abraço a Lúcifer).
tenha o desejo fugido à nostalgia
da amarra no cais ultrapassado
e viva nas marés do dia-a-dia
rendido
à viril filosofia
da onda que vai vem contra o rochedo.
guardar
a seiva do segredo
e o pólen da pele
nos lábios túmidos
hoje e sempre
fiel
ao beijo heróico
mortal e permanente
em que te aguardo
em que me encontre
frontal
total
e eternamente.
                        (inédito)
Fernando Pinto Ribeiro 
In: Antologia de Poesia “Os Dias do Amor – 
Um poema para cada dia do ano”, Lisboa,
2009, Editora Ministério dos Livros, organizada
por Inês Ramos
(enviado por Inês Ramos - porosidade-eterea.blogspot.com) 
(cedido por - www.ministeriodoslivros.com)
 
 
NAS RUAS DA NOITE
                                               
                                   A Vítor Duarte 
                            “Marceneiro Terceiro” –
                            meu padrinho no Fado.
                                                   
No crepitar de estilhaços
de estrelas sobre os espaços
da Lisboa  rua em rua —
crucificámos abraços
encruzilhados nos passos
que à noite a lua insinua
 
                                Nas nossas bocas unidas
                                sangrámos fados em feridas
                                dos beijos amordaçados —
                                salvámos vias vencidas
                                que andam pla treva perdidas
                                como num mar afogados
 
Cegos de sombras e lama
ígnea sede nos inflama
noutra inquisição divina —
bebemos o vinho em chama 
que sanguínea  luz derrama
no candeeiro da esquina
 
                                Embriagados de lume
                                sem dissipar o negrume
                                do fumo que nos oprime —
                                rezamos todo o queixume 
                                do cio deste ciúme
                                uivo do amor feito crime
 
Crucificamos abraços
encruzilhados nos passos
que a noite nua desnua —
crepitantes de estilhaços
de estrelas gelo em pedaços
vem incinerar-se na rua
 
                        Fernando Pinto Ribeiro
                        (Versão definitiva, em 24-12-2008)
                        In: lisboanoguiness.sapo.pt
 
 
LEILÃO DA LATA
                         a Ana Briz
 
 
“O lixo é o riso dos mortos”,
in  Em Memória, Pedro Mexia.
 
 
I
 
Bairros da lata      vão acabar
e a bambochata      vai começar
      vão ladrar os gatos      miar os cães
      que mais valem cacos      que três vinténs
 
da velha lata      que já não presta
quem a arremata      faz uma festa
      carrossel da feira      prà mocidade       
      viva a chinfrineira      por caridade
 
panelas tachos      tachos panelas
fêmeas e machos      eles e elas
      vão jogar na rifa      do bailarico
      uma chafarica      num prédio rico
 
leilão da lata      famintos fartos
dizem da caca      cobras lagartos
      vem o leiloeiro      vende as barracas
      com todo o recheio      pulgas baratas
 
 
... vende com a droga do lavado lixo
o vício que engorda um homem num bicho
melga parasita quanto ela mais come
mais sede mais fome mais sangue o excita
 
 
                         II
 
 
Bairros da lata      vão acabar
e a bambochata      vai começar
      vão voar as ratas      do barracão
      presas pelas patas      dum gavião
 
leilão da lata       rende o casebre
até a gata      passa por lebre
      rei da compra-e-venda      do pardieiro
      faz uma vivenda      faz mais dinheiro
 
 
 
 
 
 
tão velha a lata      do charlatão
aristocrata      quer promoção
      chapa guarda-vento      ou guarda-lama
      arte movimento      carro de fama
 
leilão da caca      homens farrapos
montam sucata……‘montoam trapos
      anda cangalheiro      rasa o barraco
      saqueia o chiqueiro      saco por saco
 
... vende com a droga do lavado lixo
o vício que engorda um homem num bicho
melga parasita quanto ela mais come
mais sede mais fome mais sangue o excita
 
 
                       III
 
 
Leilão da lata      vai terminar
quando a barraca      for pelo ar
      pulam pelas matas      gatos e cães
      rastejam de gatas      filhos-das-mães
 
leilão da caca      vai terminar
coa velha lata      pra a reciclar
      morre o leiloeiro      e um cão polícia
      lambe-lhe o dinheiro      numa carícia
 
... bairros da lata      leilões da caca
e esta cantata      toada chata
      feita bambochata      dum festival
      têm de acabar      é a hora exacta
 
      ponto final
 
 
 
                           Fernando Pinto Ribeiro
                                                                        (Da série “Rimas da Hora ao Rubro”.)
                           In: Antologia “Poetas de Sempre”
                           Ed. Cidade Berço, Guimarães, 2005     
 
 
MÃO ABERTA
A imolar perguntas, degolar respostas
que a razão venera num altar de aborto,
sepultei nas vagas, despenhando encostas,
a torre nirvana, com o ídolo morto
como quem naufraga sobre as próprias costas
e o corpo cavalga contra o rumo torto,
hasteei nas trevas, já não de mãos postas,
o punho, em archote e a prumo, no porto
a escavar na terra os poros do povo
de onde irrompem chamas delirantes de água,
mato a velha sede renasço-a de novo:
lavado em suores da mais negra mágoa,
a pulso me arvoro – e esta mão que movo
reabro à semente noutras mãos afago-a
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: Antologia “Poetas de Sempre”,
Ed. Cidade Berço, Guimarães, 2006
 
 
 
MADRIGAL EM DESPEDIDA
 
Dos meus olhos não escondas
que se acendem no teu rosto:
a chama que acende as ondas
são os beijos do sol posto
 
quando embalo e me adormecem
saudades em pesadelos
teus desejos amanhecem
no luar dos meus cabelos.
 
o adeus do teu sorriso
é a luz a que me aqueço:
no teu corpo me eternizo
quando do meu me despeço.
 
                        Fernando Pinto Ribeiro
                        In: “Poetas do lavra…”, 
                        jornal “O Gaiense”
 
 
REFLEXO INFLEXO
                        A
                   J. Leitão Baptista
Suicida ressuscito a perguntar quem sou
à regressiva bala do tiro que encarnei
focando à luz do espelho numa explosão de pó
o vírus abortivo no gérmen que o contém.
Do ventre sobre o dorso relapso e refém
num vómito renasço e arroto à morte certa
que, a circular nas veias, em órbita mantém
o foguetão lunar prá vida que desperta.
Na cauda que me aboca vergado sobre mim
abraço, mordo um réptil, devoro-o e sem matá-lo
acabo e recomeço a ruminar o fim.
Estrela após estrela, no astro mais remoto,
do cosmos para o vácuo disparo a cavalgá-lo
meu corpo contra o caos e causo o terramoto. 
Fernando Pinto Ribeiro
(Versão final do poema, com o mesmo título, publicado com ilustração de seu irmão, Silva Ribeiro, na REVISTA DE LETRAS E ARTES “CONTRAVENTO” Nº 4 ( 1971 ), de que era Director e com direcção gráfica de Artur Bual)
 
CARM(a)E DO PÓ NATAL
                        
                                    A António Vera
 
na minha cama neva.
            explode o arrebol.
 
da lama que me entreva.
deflagra no lençol
                        um ícaro da treva
                        em ácaros de sol.
naufraga sem farol.
 
regelo em minha cama.                            
                        cada manha final
transmudo a pele    e a entrego                           
                        do morto matinal
                        ao corpo que trasfego
                        num outro     meu igual
 
degelo.          triunfal
submerso olhar me cega
na branquidão total
                        e em pó lunar eleva
                        da campa um deus mortal.
 
(na minha rua neva
                        da lua.
                        em seu natal.)
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Das Artes, Das Letras”, 
suplemento do Jornal “O Primeiro de Janeiro”,
de 24 de Dezembro de 2007 
 
 
FENIX
 
                        A Alice Fergo
 
Meu corpo reverdeceu
entre giestas queimadas
flor de bolor que irrompeu
sangue de cinzas e brasas
 
aureolada de orvalho
e arrulhos de pombas bravas
espantando nevoeiros
febre de trevas e larvas
minha nudez revelou
primaveras sepultadas
 
breve do pó borbotou
em sonâmbula borboleta
que a incendiar-se cremou
as asas de noite preta
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: Antologia «Poetânea 3”, 
Ed. HUGIN, Lisboa,
(Coordenação de Julião Bernardes)
 
 
ATRAVÉS DAS TREVAS
                                               a J. Pinharanda Gomes.
 
Sem caminho
caminho um caminho escuro
de cada lado um muro
fechando os meus passos
que afundo
descalços
procuro
furo     perfuro
e aprofundo o fundo
aos falsos espaços
de um mundo sem fundo
Quero ir sozinho 
de assalto a percalços 
por onde adivinho 
o mato maninho 
em que fazem ninho 
asas e fracassos 
- até aonde o sonho 
rebenta medonho 
clarão de estilhaços
rebelde a compassos 
tacanhos     escassos 
ando vadiando 
atrás destes passos 
lassos e devassos 
ando repisando 
os estreitos traços 
de todos os laços
ando vagueando
vou
- rodopiando
com os olhos baços
cegos de cansaços
já vejo
e adejo
longe      nos espaços
Sem caminho
caminho
sozinho
em torvelinho de surdo solfejo
redemoinho
andejo rastejo rondejo
saltando cirando
voltejo voejo
recuo
paro     pairo      pulo
flutuo
desando
planejo
empeço     tropeço
e caio de rojo
de jorro me esvaio 
e arrojo
corro corro corro 
até que me alcanço
cantando
chorando
chorando cantando
descaio     desmaio
morro
descanso
- avanço     avanço     avanço!
Ao fim dos seus passos 
além     nos espaços 
são aves meus braços
                  ... daaaaanço ...
Fernando Pinto Ribeiro
In: "Poetânea 4", Ed. HUGIN, Lisboa, 2006 (Coordenação de Julião Bernardes) – anteriormente publicado na “Contravento” – Letras e Artes - n.º 1, Agosto de 1968 com ilustração de Luís Osório
 
 
 
QUANDO CANTO
                                               a António Valdemar.
 
Quando canto
quando a chuva 
vem do céu beijar o pó 
ou quando o sol que me enxuga 
vem comigo dormir só
quando canto
quando saio
deste corpo em que vou preso 
e noutro corpo me atraio 
me liberto do meu peso
quando canto
quando o raio 
cai sobre mim quando caio
e me faço erguer ileso
Enquanto canto devoro 
a maçã mais proibida 
e canto por quanto jogo 
partida logo perdida
enquanto canto me afogo 
ou bebo o mar sem medida 
ébrio do sal que namoro 
e na sede me castiga
enquanto canto revogo 
a lei da morte da vida 
no encanto em que demoro 
o beijo da despedida
desencanto em que des-canto 
porque o canto a tanto obriga
Quando canto
quando a fome 
tem o nome de alimento 
quando a verdade consome 
e dá sede ao pensamento
quando canto
quando choro 
por prazer ou sofrimento 
quando odeio quando adoro
 em saudade e esquecimento
quando canto
quando imploro 
deste (re)canto em que moro 
outro canto que eu invento
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 4”, Ed. HUGIN,
Lisboa, 2006 – (Coordenação de Julião Bernardes)
 
 
REVERSO / INVERSO
                                   A
                            António Teixeira e Castro 
Em laço que me enlaço – escama a escama 
no torço que retorço dorso mole – 
encastro uma serpente e alastro a lama 
até que do meu lastro enfim descole 
o corpo que me abraço fardo cama 
espelho de estilhaço num lençol 
que arrasto de astro a astro e a arfar em chama 
retraço pelo espaço lua e sol 
desnudo a pele transmudo em escudo espesso 
de alva ou escura cor falsa ou real 
que dispo e visto sempre do avesso. 
de mim nego e renego o desigual 
ser que afinal não sou mas que pareço 
ao ver-me cego e nu. do bem. do mal
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 4”, Ed. HUGIN,
Lisboa, 2006 – (Coordenação
de Julião Bernardes)
- Publicada mais tarde na revista
“Palavra em Mutação”, n.º 5 e 
dedicada a A.T. Castro
 
 
SALMO
                                               a João Bigotte Chorão.
Estou morto.
Mas a vida
lambe a minha pele em labaredas.
Sou noite.
Mas o dia
põe-me nos lábios papoilas
e coroa-me de espigas o cabelo.
Ceguei.
Mas a luz
vem poisar-me sobre as pálpebras
outras tantas borboletas inquietas.
Não oiço.
Mas o eco do silêncio
canta o hino imenso que eu não posso.
Não respiro.
Mas aspiro o alento
da maresia no vento.
Não sinto.
Mas pressinto: a minha alma arde
e uma chaga floriu na minha carne.
Não choro.
Mas tremem estrelas cadentes
nas lágrimas pendentes que sustenho.
Não canto.
Mas sopro nuvens
no pó que levanto.
Não ando.
Mas todo o meu espírito
vadia sem folga nem descanso.
Não durmo.
Hiberno: verme     esvurmo limo e lama
no fosso em que me enfurno
aninho e faço a cama.
Não amo.
Sobre a seta quebrada no meu peito
raiva uma fonte de sangue
a incendiar a sede     a incinerar a fome
dos homens     dos bichos     das florestas.
Não sonho.
Mas a fé
faz da esperança e da saudade
sentinelas do sepulcro
onde     vivo     o meu coração jaz
pisado por cavalos em tumulto.
Estou morto.
 
Mas o sol explode 
a luz esplende 
em plena primavera 
neste corpo
que me prende 
e me suspende 
absorto.           
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 4”, Ed. HUGIN, Lisboa, 2006 (Coordenação de Julião Bernardes) 
 
PRELÚDIO
                   A Julião Bernardes
                   Poeta cantor
 
Canto
quando o vento fala
            e as estrelas vêem
vêem que os poetas
são vozes de vento
seus olhos nos olhos
das noites despertas
com dedos acesos
em cegos planetas
 
canto
enquanto a lua chora
até o sol florir
            lágrimas que morrem
de botões a abrir
canto
quando o mundo acorda
            para eu não dormir
                        
                                               Fernando Pinto Ribeiro
                                               In: “Poetânea”,
                                               Ed. HUGIN,2003
 
ÀS MENINAS DOS MEUS OLHOS
À poetisa e declamadora Armanda Ferreira e à sua obra inspiradora e à sua outra voz inspiradora, a de Carlos Duarte de Jesus – um no outro espelham o íntimo olhar que estas quadras interpretam.
 
As meninas dos meus olhos 
nunca mais tive mão nelas 
fugiram para os teus olhos 
por favor    deixa-me vê-las
as meninas dos meus olhos 
se vão perder-se não sei 
deixa-me ver se os teus olhos 
as tratam e guardam bem
as meninas dos meus olhos 
num castigo que é perdão 
prende-as    dentro dos teus olhos 
quero vê-las na prisão
as meninas dos meus olhos
 julgo vê-las espreitar 
às janelas dos teus olhos 
abertas de par em par
as meninas dos meus olhos
 já não vejo    aonde estão? 
deixa-me ver nos teus olhos 
se as guardas no coração
as meninas dos meus olhos
para poder encontrá-las 
pedem    por mim    aos teus olhos 
que falem quando te calas
Fernando Pinto Ribeiro
(in "Poetânea", Ed. HUGIN, Lisboa, 2003)
 
 
AUTO-ESTÁTUA
                       a António Manuel Couto Viana. 
 
A madrugada nasça fria e branca 
resgatem meu olhar punhais de luz 
e eu fique no abraço desta pedra 
seu fóssil incrustado numa cruz
meu gesto circunscreva o intangível 
orgulho da estátua que desfiz 
no barro ou no bronze flor e fruto 
resumo da corola e da raiz
na vacuidade plena seja eu 
sepulto pelo espelho da manhã 
narciso do desejo que desnudo
envolto na poeira e na brancura 
suspensa e já desfeita sobre mim 
ausente de mim próprio cego a tudo
                                                           Fernando Pinto Ribeiro
                                                           In: “Poetânea 4”, Ed. HUGIN,
                                                           Lisboa, 2006 – (coordenação
                                                           de Julião Bernardes)
 
 
DE PROFUNDIS
Alguém
no breu da noite
fitou meus fundos olhos
alguém quer que eu me afoite
(desfolho-me e desfolho-os)
alguém
além
me chama
e estende hercúleos braços
(revolvo-me na lama
olhando
longe
os astros)
alguém gritou 
- eu posso!
(e o eco devolveu 
a escuridão do poço 
à luz que vem do céu)
além do vão de um fosso 
alguém a voz ergueu 
voz de quem ninguém eu ouço 
e aquém de quem sou eu
Fernando Pinto Ribeiro 
in: "Poetânea " , Ed. HUGIN, 2003
Nota: Este poema sofreu posteriores alterações manuscritas pelo autor, no livro que nos ofereceu.
 
 
APÓTE(o)SE 
                a José Fernando Tavares
 
Dá-me, Profeta,
a rejeitada mensagem.
Faço dela a nossa espada
cortando a meta
de mostrar a tua imagem
na minha mão decepada.
 
Dá-me, Palhaço,
a tristeza de sorrir
frente ao riso que faz troça
deste fracasso
de brincarmos a brandir
o punhal que nos destroça.
 
Dá-me, Poeta,
o teu veneno, o teu mel
que corrói e deifica.
Desfere a seta
contra a torre de babel
da minha voz que te grita.
 
                                                           Fernando Pinto Ribeiro
 
 
ÀS MÃOS DE QUEM TRABALHA
                           a Fernando Rosas
 
Ó mãos que de mãos dadas cerrais punhos e dentes,
gretadas cicatrizes, o sangue a borbotar –
se as garras das raízes agarram as sementes,
calos e unhas rentes vão ter de as resgatar;
ó braços abraçados que vos alçais frementes
pilares de um mundo novo arcando o céu e o mar –
se às foices, se às bigornas se enroscam as serpentes,
nas eiras e nas dornas haveis de as esmagar.
Ó mãos já de mãos dadas, ó braços abraçados,
erguei o punho em chama que cega mas enxerga
a estrela d’oiro ao rubro, farol dos explorados –
se às armas mão em mão e aos braços em muralha
nem fome nem o medo, já nada, nada, os verga –
irmãos demos as mãos às mãos de quem trabalha!
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
 
CANÇÃO DE ME EMBALAR
Esperanças
sempre crianças
suspensas
pensam voar ...
tensas
nos laços
que entranças
balancé
de eu baloiçar
até
que em braços
me alcanças:
– Vem
minha Mãe!
Vou
sonhar ...
Fernando Pinto Ribeiro
 
 
ESPELHO MÍ(s)TICO
                   a Ulisses Duarte
 
 
Passados dois milénios avivaste
meu rumo ao levitar-se para o céu
     assumo (des)arrumo e apagaste
     a imagem na memória de eu ser Teu
 
 
assim me vou deixar sem mais lembrança
ao espelho     este Natal     já no meu fim
 
 
     um velho     a olhar-se     uma criança
 
 
nasceu e vai morrer Jesus (s)em mim
 
 
               Natal de 2004
        
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
 
LEITURA FINAL
 
                                                                       a Elsa Rodrigues dos Santos
                                                                                      e a Figueiredo Sobral
                                                                                                            
 
na bruma     que me esfuma
rua em rua
fonema por fonema
– leio a lua
plena
do poema
 
nua     flutua
suprema
verso após verso
– veio
que eu me entreteço
imerso
diadema
 
larva     de palavras
falena 
verbo de verbenas
–  me enleio
hibernal
coral     num colar
a aureolar avenas
 
... e ao espelho lunar 
do sol   seminal
espasmo de açucenas
– soltei-o
além     mar
num ponto-final
apenas
 
        
          
Fernando Pinto Ribeiro
 
 
 
LISBOA VAI ! (Marcha)
 
 
A bailar pela Avenida,
Num balançar de canoa,
vai de varina vestida
Rainha Dona Lisboa
 
Vai abraçar do Castelo,
Plo Tejo nos mares deitado,
O marinheiro mais belo
Das caravelas do Fado
 
Vai aonde a alma voa
Desde os mundos do passado
Até onde o mar entoa
Teu nome por todo o lado
  
 (Refrão)
 
Vai, vai, Lisboa,
Santo Antoninho te guia
Da Estrela e da Madragoa
à Graça e à Mouraria. 
 
Vai, numa boa,
Vai na vida ser vadia,
Vai, até que o andar te doa, 
Rumo à Praça da Alegria!
 
Vai nos pregões a cantar 
Camões, a Amália, Pessoa…
Vai na marcha popular
Rainha Dona Lisboa
 
(Refrão)
 
Vai de Alfama e do Dafundo
a São Bento e a Belém
E sobe à Rua do Mundo
Do Poço do Borratém …
 
Vai sair na Boa-Hora,
Com foguetes e balões,
A São Vicente de Fora,
de dentro dos corações
 
Fernando Pinto Ribeiro
 
MORREU O TEMPO
                                                          
                         A Teixeira de Pascoaes
Ardem círios de lágrimas exaustas.
a noite desmorona-se em luar.
espalha-se do céu à flor das árvores
um hálito de alguém que já morreu
e vai chegar...
manhã de mãos de gelos sobre as faces
distende dedos de água nas raízes
de oculto coração de catedral.
clarins deflagram candelabros
e o sangue do silêncio estilhaçado
alastra no incêndio dum vitral.
cheira a musgo queimado por estios.
do hirto e seco leito me levanto
e deito-me ao quebranto
                                       de insondáveis rios...
 
há quanto tempo o tempo?
ah quanto!
 
a cinza fez-se névoa sobre a campa
dum corpo insepulto a flutuar...
 
há quanto tempo há quanto quanto
nasceu esta manhã sem despertar
que eu espero    sonho    e canto
além da terra    além do céu    além do mar.
há quanto tempo já morreu o tempo
sou eu
sou eu o dia eterno
                                           de te amar.
 
                                                                                   Fernando Pinto Ribeiro
 
 
PENSANDO EM TI
Acordei mas não te vi,
nem sequer o teu retrato
À cabeceira, sorri
na solidão do meu quarto.
Acordei como quem chama
por alguém que se deitou
No calor da minha cama
e de noite me deixou.
Pensando em ti... adormeci...mas acordei
Reconheci... que te perdi... e então chorei
Mesmo a dormir... julgo sentir... o teu calor
E o teu carinho... p'lo nosso ninho... oh meu amor
Acordei como quem ouve
o amor que bate à porta
Fui abrir, lá fora chove,
não há ninguém, noite morta
Acordei como quem chora
por alguém que já morreu
Neste quarto aonde mora
um fantasma, que sou eu.
 
 
Fado com letra de Fernando Pinto Ribeiro, música de Jorge Fontes, cantado originalmente por António Mourão
 
SONETO INCENDIÁRIO
 
                                    A
                            Rodrigo Emílio
                            À sua Arte Poética
 
 
Esta noite de névoa não a quero
para quebrar a concha que me prende
à voz de búzio inerte          e desespero
porque ninguém a ouve nem entende
 
 
 
Sob a sombra dos limos que se estende
viscosa nos abismos onde impero
minha alma suicida se transcende
num cântico profético de Nero
 
 
 
Quando a terra tremer com o trovão
do búzio rebentando moribundo
e a luz vier na lava dum vulcão
incendiar a treva em que me afundo
 
 
 
o Sol há-de explodir na minha mão
a fim de pegar fogo a todo o Mundo
 
 
 
                                   Fernando Pinto Ribeiro
 
ÚLTIMO BEIJO
Último beijo
quando eu adejo 
no teu olhar
olhando os céus. 
Último beijo 
para o desejo 
incendiar 
os beijos teus... 
Último beijo 
para num beijo 
dizer adeus. 
Último beijo 
para o cortejo 
de tanto beijo 
que não te dei. 
Último beijo 
em que entrevejo 
vir dar-te o beijo 
que mais guardei. 
Último beijo 
dum sonho breve 
sol num harpejo 
à flor da neve. 
Último beijo 
para o festim 
que um teu lampejo 
fizer de mim... 
Último beijo 
para um festejo 
antes do fim. 
Fernando Pinto Ribeiro  
 
ALCANCE
 
 
Levanto sobre o cais de além do rio
Meus braços para o mundo em mar aberto
 
E alcanço e desamarro o meu navio
No sonho de outro abraço em que desperto
 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Louvor a Cascais – Antologia
Em Prosa e Poética – Do Passado
Ao Presente”, Cascais, 2003, com
Coordenação de Nídia Horta
 
 
AO FAIA DA VIDA AIRADA
                                               A Fernando Guilherme Azevedo
 
 
Ó faia rapioqueiro,
bom garfo e boa colher,
manda ao diabo o dinheiro:
vem petiscar e beber!
            Está paga a tua despesa,
            coas notas que o fado inventa
            na guitarra à portuguesa,
            rica de sal e pimenta…
 
                        Vinho bom
                                   faz aquecer,
                                   mudar de tom
                                   o triste fado
                        que só quer
                                   cantar ao som
                                   de um talher
                                   mais bem temperado…
                        quer também
                                   comer, beber
                                   e ter mulher
                                   de xaile traçado,
                        de saber
                                   qual o sabor
                                   que é a dor prazer
                                   do amor fiado…
                        - Rei da farra!
                                   uiva esfaimado,
                                   - Uiva,
                                   Fã da cigarra,
                                   faia aluado!...
 
Pois não tens papas na língua
nem dás dito por não dito,
não queiras ougar à míngua;
«ficas teso mas bonito»!
            Vida airada é vida airosa,
            come bem, bebe do fino:
            até vir a «dolorosa»,
            é cor-de-rosa o destino!...
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: Antologia “Poetas de Sempre”
Editora Cidade Berço,
Guimarães, 2006
(Emendas manuscritas pelo autor em 
livro enviado ao lavra…Boletim de Poesia)
 
 
AO VINHO DA MINHA SEDE
                                                        A Eduíno de Jesus
 
 
 
Oh sede que te incendeias
nas veias do meu destino
e rebentas as candeias
das peias que não domino
 
oh sede de um novo sangue
num outro corpo divino
oh sede da minha sede
remorso em desatino
 
oh sede que se não mede
e que a si própria se bebe
noutra sede que adivinho
sem fonte no meu caminho
 
oh sede maldita sede
oh sede bendito vinho
 
água da sede sem sede
sede da sede infinita
que me limita e excede
 
oh se              maldita sede
 
oh vinho        sede bendita
 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 2”, Editora
HUGIN, Lisboa, 2005, com
coordenação de Julião Bernanrdes
 
AZUL
         A Miguel Barbosa
 
 
 
 
O barco de mármore fendeu-se.
Pela quilha perfurante da aventura
súbito olhar azul vazou-se
na mesma fluidez de céu e mar.
Nem centelha de água
nem lágrima de astro
foram prenúncio vestígio de naufrágio.
De mim não ficou rasto
adeus ou adágio.
Cego de azul vertigem tombei do mastro
de um grito sulcando o infinito.
Alastro
no abismo anil diluente
que me inundou
de azul
de mar
de céu
de aquém
de sempre
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 2”, Editora
HUGIN, Lisboa, 2005, com
coordenação de Julião Bernardes
 
 
CANTIGA PARA O REGRESSO
                                                           A Eduardo Nascimento
 
 
Ó terra, sinto as raízes
e as sementes da saudade…
regresso doutros países
viro as costas à cidade…
 
Plas ondas dum mar de espigas 
            vejo papoilas bailando…
            cigarras trinam cantigas
            e as formigas labutando…
            hão-de alcançar tais fadigas
            ai, Alentejo, até quando!?
 
- Cantai, ceifeiras amigas,
à torreira, fazei bando:
rapazes e raparigas
lá de longe estão chegando
por carreiros de formigas
labutando, labutando…
 
Suando o sal e a amargura
dos mar’s do amor marinheiro
ah, vou matar a secura
na frescura dum sobreiro!
 
Ai, Alentejo, até quando
            hão-de alancar tais fadigas
            quantos vivem amassando
            no suor o pão das migas?
            Às searas ‘stão voltando
            as emigrantes formigas.
 
Trinai. cigarras, cantigas,
Já vos revejo reinando
entre papoilas e espigas
e as formigas ‘stão chegando!
Lembram fábulas antigas
labutando, labutando… 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 2”, Editorial
HUGIN, Lisboa, 2005, com
coordenação de Julião Bernardes
 
 
De novo minha Mãe
(Não, não morreu!)
Acorre ao meu degredo.
 
 
E o sono vem
 
do céu.
 
(Amanheceu
tão cedo!)
 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Florilégio de Natal”,
Edição da Tertúlia Rio 
de Prata, Lisboa, 2000
 
 
(Des)CANTE DO NOSSO ALERTA
                                                                       A Luís Filipe Maçarico
 
 
Searas do Alentejo
semente da minha fome
sobreiros onde esbracejo
a sede que nos consome
 
a sede que me consome
a força em febre fermento
pão da terra que nos come
em vez de nos dar sustento
 
sem querer nos dar sustento
faz-nos sangrar na labuta
suar o sal dum tormento
que acende a seiva da luta
 
            Fui pastor, sou corticeiro
            conheço o custo à desgraça…
            só ninguém sabe o dinheiro
            que ela rende lá na praça
 
            ela rende lá na praça
            ou na banca do galego…
            quem montar uma trapaça
            cavalga qualquer borrego
            
            cavalga qualquer borrego
            toureia qualquer carneiro…
            quando o cão de guarda é cego
            arma-se o lobo em cordeiro
 
Se pão rijo é papa-açorda
e o óleo faz vez de azeite
quem é gordo mais engorda
quem magro é não se ajeite
 
quem é magro não se ajeite
que o cevado enfarda a pança
ninguém durma nem se deite:
o toucinho também rança
 
o toucinho também rança
bom vinho dá bom vinagre
quando o tempo é de mudança
a força faz o milagre!
            
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 2”, Editorial
HUGIN, Lisboa, 2005, com
coordenação de Julião Bernardes
 
 
DO MENINO
                        A 
                   Paulo Brito e Abreu
 
Ó meu menino Jesus
se eu fosse Deus não deixava
que me pregassem na cruz
 
para sempre me ficava
no presépio  nessa luz
do teu natal  meu também
a olhar a estrela de alva
no olhar de minha mãe
 
ou duplamente encarnava
na criança em que fiquei
lembrança pó cinza e nada
anjo que jaz em Belém
 
(mãe minha mãe onde estás?
 
do teu menino não sei)
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: Antologia “Poetas de Sempre”
Editora Cidade Berço, Guimarães, 2005
 
 
 
EM EPÍGRAFE
 
 
 
Ser poeta
é
amar o amor
 
dar      receber
 
o amor           profeta
amor cantor
 
até
sofrer a seta
 
sonhar
a dor sem dor
 
 
asceta
 
 
colher e desfiar
a flor secreta
 
fé
 
prazer            sem meta
                                               amor      maior
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea”,
Editora HUGIN,
Lisboa,2003
FADISTA ALENTEJANO
 
 
“ó patrão, dá-me um cigarro,
acabou-se-me o tabaco:
o trigo que eu lanço à terra,
fumando, dá mais um saco...!” *
 
Searas do Alentejo,
semente da minha fome,
sobreiros onde esbracejo
a sede que nos consome.
 
- Fui pastor, sou corticeiro,
conheço o custo à desgraça,
só ninguém sabe o dinheiro
que ela rende lá na praça
 
...Ela rende lá na praça
ou na banca do galego:
quem montar uma trapaça
cavalga qualquer borrego
 
…Cavalga qualquer borrego,
toureia qualquer carneiro —
quando o cão de guarda é cego,
arma-se o lobo em cordeiro.
 
- Ó patrão, dou-te um cigarro,
já comprei o meu tabaco:
Do trigo que eu lanço à terra
Não te dou nem mais um saco!...
 
 
*Do cancioneiro popular (autor desconhecido)
 
Fernando Pinto Ribeiro
Poema interpretado pelo fadista alentejano João Sobral da Costa,
no CD “No Cais da Partida…e no Caos do Regresso”, dedicado
aos ex-Combatentes da Guerra Colonial, editado pela “Voxom – 
Interfase – Estúdios de Gravação e Edições Musicais, Ld.ª” 
 
 
                                                       HINO À VIDA
 
Vem dançar  meu amor
faz de mim o teu par
e assim
ao te enlaçar
despida num aroma de flor
vai teu corpo em redor
bailar
na minha vida
 
 
vem    amor
vem
movida em meus braços
flutuar
nas asas dos teus passos
 
 
vem voar
voar além dos astros
até aonde eu for
desflorar os espaços
entre o Sol    e o seu calor
nos teus abraços
 
Dançando
tão bela
vem mostrar no salão
mulher
que és uma estrela
estrela
que zela meu coração
a noite
a noite dela
 
mais leve que o vento
solta os véus de luar
em movimento
pelo azul da luz florida
 
mil rubis da manhã
num abrir de romã
vão cobrir-te na rua:
 
vem bailar toda nua
num hino à vida!
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: Antologia “Poetas de Sempre”
Editora Cidade Berço,
Guimarães, 2006
 
 
(M)ORFEU
                        A António Salvado
 
Escravo
                        de qual musa
(que acuso
                                   ou que me acusa)
me deixo acorrentar
 
 
 
ao sono
                        em que ela suga
meu sonho
                                   a naufragar
 
 
 
num beijo
                                   morto à sede
 
que invejo
                        e bebo
                                               ao mar
 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 2”, Editora
HUGIN, Lisboa, 2005, com
coordenação de Julião Bernardes
 
 
NATAL DE MIM
 
 
 
Preciso
da mão carinhosa
que piso
            seu gesto de afecto
um riso de rosa
uma rosa       um sorriso
 
preciso de acordar desperto
dum sonho abjecto
cruelmente querido
me auto-exorcizo
num anjo      e narciso
agrido o desejo
que em deus satanizo
 
preciso
do coração aberto
ebriamente ferido
guizo que me guia
à noite da agonia
            ao dia de juízo
 
e num vivo aviso
à morta fantasia
preciso           preciso
do sino indeciso
que     enquanto      agonizo
me reanuncia
menino          aleluia
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Florilégio de Natal”,
Edição da Tertúlia Rio de Prata,
Lisboa, 2002
 
 
NÁUFRAGO
 
Do mar fundo a lua morta
Me desprende se desfaz
Veio à tona deu à costa
No meu corpo
                        Nele jaz
 
cada onda a cada gota
suga-lhe o sol
                        que minaz
 
o sal na sede retém
 
boca-a-boca
                        mal o toca
 
deixa-o atrás
                        vai e vem
 
donde 
aonde
                        me desloca
 
de quem
na paz
                        sou refém
 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Louvor a Cascais – Antologia
Em Prosa e Poética – Do Passado
Ao Presente”, Cascais, 2003, com
Coordenação de Nídia Horta
 
 
NOCTÂMBULO
 
O que me traz para a noite
já não é não o luto
                                   da saudade
que reveste
 
 
                        quando nua
                                               rua em rua
se incandesce
                                   a lua
na cidade
 
                        
o que me traz
                                               para a noite
e eu desfruto
                                   suspenso
                                               embevecido
é a tua voz
                        de silêncio
cintilando
                        ao meu ouvido
 
som
            sonâmbulo
em que me adenso
 
 
                                               escuto
                                                           adormecido
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “PM – Palavra em Mutação”
n.º 4zero, Porto, 2004
 
 
 
 
PARTO FINAL
                        A Cândido da Velha
 
 
 
De novo me encontrei.
 
No termo do início que procuro
de novo sou menino.
 
Regressei
                        de mim clandestino
ao quarto-escuro
que esconde o meu destino
para Além
                        e acende atrás do muro
                        o astro de Belém.
 
De novo me embalei.
 
Quando cheguei
                                   exangue moribundo
ao fim do mundo
meu berço me esperava
                                               balouçava
suspenso no abismo
em que me afundo.
 
De novo tenho medo.
 
                                                           Que Papão
faz minha Mãe cantar
como em segredo
que a Vida não tem fim
nem solução?!...
 
De novo minha Mãe
(não, não morreu!)
acorre ao meu degredo.
 
E o sono vem
 
do céu.
 
(Amanheceu
tão cedo!)
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Poetânea 2”, Editorial
HUGIN, Lisboa, 2005, com
coordenação de Julião Bernardes
 
 
PERGUNTA AO FADO
 
 
Amália, diz-me quem sou:
pergunta ao mar e ao vento
por que razão seu lamento
dentro de mim se acoitou,
pergunta ao Fado que sabe
por que razão a saudade
na tua voz ecoou
que jamais eu sei quem sou
 
Amália, diz-me quem sou
por que razão se cruzou
no meu caminho esta cruz
feita de sombra e de luz,
de onde vim pra onde vou
na multidão da cidade:
pergunta ao fado que sabe
que jamais eu sei quem sou
 
Amália, diz-me quem sou:
pergunta ao Fado que pôs
na garganta a sede atroz
e que jamais se apagou
nesta ilusão de beber
todo o mar para saber
por que razão me afundou
Que jamais eu sei quem sou
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Viola Delta XXVII – 
Poemas sobre Lisboa”,
Lisboa, 1999 – Coorde-
nação de Fernando Grade.
 
 
RAIZ EM FLOR
 
 
 
Foi Deus quem de mim te raptou
no adeus que então marcou
nosso encontro eternizado
Foi Deus quem este amor desterrou
para a saudade e o cercou
de seu mundo ilimitado
 
Foi Deus quem dos passos que eu pisei
aos teus braços me elevou
na amplidão do além
Foi Deus quem da raiz do que sou
de ti para mim brotou
ó flor do amor           minha Mãe!
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Viola Delta XXXII – Poemas sobre a Mãe”,
com ilustração de Silva Ribeiro, Edições MIC, 
Lisboa, 2001, coordenação de Fernando Grade
 
 
RELANCE
 
Olho ao espelho um adeus
estilhaçando o luar
entre as estrelas dos céus
e os fogos-fátuos do mar
 
            Vejo o lampejo de um adeus
            Num velho olhando o olhar         
 
 
 
Fernando Pinto Ribeiro
In: “Louvor a Cascais – Antologia
Em Prosa e Poética – Do Passado
Ao Presente”, Cascais, 2003, com
Coordenação de Nídia Horta