Sites Grátis no Comunidades.net Criar um Site Grátis Fantástico

 tributo ao Poeta FERNANDO PINTO RIBEIRO



Total de visitas: 80069
Poesia Publicada pelo lavra...Boletim de Poesia

POEMAS DE FERNANDO PINTO RIBEIRO publicados pelo lavra... Boletim de Poesia e Editorial

À JANELA DO NATAL

  

O milagre duma estrela

Sobre a árvore da vida

Faz cintilar na janela

A família reunida

 

             Do coração à lareira

             De saudades ateada

             Que bem sabe soa e cheira

             A ceia da Consoada!

 

O meu olhar à janela

Dos olhos dessa criança

Vê raiar nos sonhos dela

Toda uma estrela de esperança

 

              O campanário da igreja

              Marca o canto matinal

              Do galo que além festeja

              A meia-noite e o Natal

 

E o frio branca moldura

Na paisagem aguarela

Cristaliza a iluminura

Do presépio à janela

 

                        Fernando Pinto Ribeiro

                        In:”Ecos…”, lavra… Boletim de Poesia, nº 8

 

 

 

 

Cantai comigo, cantai

Alegrai o coração:

O que morreu já lá vai

E a tristeza não dá pão!

 

 

          Quem canta seu mal espanta

          E nunca sente canseira

          Se refrescar a garganta

          Co um chazinho de parreira...

 

 

Ninguém se deve ralar

Por não ter muito dinheiro:

A rir, a rir, a cantar...

A saúde está primeiro.

 

 

          Vou ser do fado e da farra

          Já que o destino assim quis

          Tocar viola e guitarra,

          Pôr a cantar o País!

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: “Quatro X Quatro”, lavra… Boletim de Poesia n.º 9

 

 

FADO-NOSSO

 

No crepitar de estilhaços

de estrelas que dos espaços

vêm morrer sobre a rua

crucificámos abraços

encruzilhados nos passos

que a noite     nua     desnua

 

nas nossas bocas unidas

sa(n)grámos todas as feridas

dos beijos amordaçados

salvámos vidas     as vidas

que andam na rua perdidas

como num mar de afogados

 

cegos de treva e de lama

e da sede que se inflama

numa inquisição divina

bebemos o vinho em chama

que sanguíneo se derrama

no candeeiro da esquina

 

embriagados de lume

sem dissipar o negrume

do fumo que nos oprime

rezámos todo o queixume

do cio deste ciúme

e do amor feito crime

 

crucificámos abraços

encruzilhados nos passos

da noite que nos desnua

crepitante de estilhaços

de estrelas que dos espaços

vêm morrer sobre a rua

 

 

 

                     Fernando Pinto Ribeiro

                        (Interpretações: de Francisco Pessoa, no Fado Franklin;

                        de Chico Madureira, no Fado Porto)

                        In: “Fado Nosso…Nosso Fado”, lavra… Boletim de Poesia n.º 9

 

 

 

 

S.O.S.

 

Voando a cavalgar o pensamento

centauro em foguetão águia lunar

vou de asas e de crinas contra o vento

num grito de Noé sulcando o mar

vou através da treva em fogo       e em fumo

serpente a exorcizar o estertor

do sangue incendiado me ergo a prumo

ao rumo dos teus braços   meu amor

 

(Inédito)

 

                        Fernando Pinto Ribeiro

                        In: “Poeta Convidado”, lavra… Boletim de Poesia, n.º 10,

                        com ilustração do seu irmão Silva Ribeiro

 

 

 

LIVRE-TROVADOR

                        A

                   Eduardo Sucena

                   - ao portuguesismo da sua obra

                   “Lisboa, o Fado e os Fadistas”

 

Eu perco as noites na farra

por causa duma cigana

que me acompanha à guitarra

nesta canção leviana.

O mundo já nos difama

vai-me queimar na quimera

dessa mulher a quem chama

pra meu castigo Severa.

 

            Enquanto for primavera

            quero ao lado a fadistagem

            para cantarmos num brado

            que o fado exige coragem.

            Amigos falsos fugiram

            mal me viram coa cigana

            coitados…nunca sentiram

            que um grande amor não se engana.

 

Sou um livre-trovador

que digam mal não me importa:

quando a paixão é maior

mais dor o fado suporta.

Quero cantar à Severa

o hino duma cigarra

e enquanto for primavera

danço com elas na farra!

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: lavra… Boletim de Poesia n.º 11

                                   e na Colectânea Poética “Valsa da Vida

                                   Louvor à Vida e aos seus prazeres”, lavra…Editorial, 2005

 

 

 

 

ILHA E MULHER*

 

Minha brisa repousante

minha noite mar de prata

minha estrela cintilante

rouxinol em serenata

meu anseio de esplendor

minha aurora boreal

meu delírio de cantor

minha ilha tropical

 

            onde há búzios murmurando

            melodias de sereias

            em ondinas enlaçando

            seu bailado em que te enleias

            quando a lua vem redonda

            e a rondar pelas marés

            te desnua onda a onda

            para ir beijar teus pés

 

Meu abrigo tão distante

minha infância de embalar

minha musa e minha amante

minha gruta de encantar

meu gorjeio de cigarra

meu desejo até final

meu navio minha amarra

Ilha     mulher                      tropical

 

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: “Poetas do lavra…”, lavra… Boletim de Poesia n.º  12

           

 

 

* Letra sobre tema e música prévia de Toni de Almeida, também seu    intérprete.

   Ganhou o Prémio da Melhor Letra do I Festival da Canção promovido pelo Grupo Cénico Amador de Maria Luzia Esteves, realizado no Fórum Lisboa, em  Março de 2003.

 

 

 

 

SEMPRE E NUNCA MAIS

                                      A

                                      Rui Cacho

 

sempre e nunca mais

parto e desembarco

em porto sem barco

em barco sem cais

 

embarco e atraco

sem carta sem marco

sem rei nem arrais

 

nunca e sempre mais

abarco e abordo

como um peso morto

a pedra do porto

menos longe mais

da porta do cais

aonde demarco

padrões nacionais

 

e aporto mais perto

do porto do parto

que aperto que aparto

sempre mais e mais

 

a bordo e sem barco

abordo e abarco

o porto onde aparco

num mar ou num charco

porta donde parto

e marco os sinais

de menos ou mais

iguais portugais

 

nunca e sempre mais

no cais e no porto

sem porto nem cais

abordo e acordo

iguais desiguais

locais onde aborto

vivo nado morto

sempre e nunca mais

 

                        Fernando Pinto Ribeiro

                        In; “Colheita Especial”, lavra… Boletim de Poesia, n.º 13

 

 

 

 

 

À LUZ DO ABISMO

                            A

                            Nuno de Montemor

                             - Alto Poeta da Estrela

                            tão alto como ela.

 

 

 

 

Voando a rastejar    desvão da vida

precipício de mim para transpor

nas garras duma águia malferida

sou réptil dum abismo e do horror

 

rasgado nas escarpas da subida

meu corpo que foi barro e é já bolor

levanta a sua estátua corroída

por larvas      em meu sangue      em meu suor

 

de rastos me elevei à minha altura

até cair exausto e moribundo

no leito matinal da neve pura

 

- asas de luz no azul do céu profundo

minha alma estropiada te procura

amor além da vida além do mundo.

 

                                    Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: diVersos”, n.º 4, Separata do

                                   lavra… Boletim de Poesia n.º 12

 

 

 

ENCONTRO FORA DO TEMPO

                            In memoriam

                            de José Carlos Godinho Ferreira de Almeida, 1968.

 

 

 

 

Desces

da vida de além-morte

que me alumia

 

sereno vens

sereno e forte

servir de guia

 

apareces da noite

marcas o norte

rasgas o dia

 

na amargura

da minha escura crucial poesia

entreteces

com brandura e valentia

a ligadura duma ferida

que sangra tortura e arde

e só não cura quem nesta vida

fugindo à lida se acovarde

 

cresces na funda raiz

de português meu irmão

filhos do mesmo país

nascidos do mesmo chão

floresces na cicatriz

aberta no coração

(e aqui por quanto fiz quanto não quis

alheio à tua exemplar lição

ó meu irmão ó minha terra ó meu país

perdão milhões de vezes perdão perdão)

 

a sede que na terra me levanta

da fome que me afunda sob a lama

agora mais que nunca chora e canta

no rasto do teu vulto que exclama:

 

quando se vive e se morre

para cumprir o dever

sem medo

e sem alarde

 

- para morrer não é cedo

 

para viver não é tarde.

 

                                    Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: diVersos”, n.º 4, Separata do

                                   lavra… Boletim de Poesia n.º 12,

                                   com ilustrações de eduardo roseira

 

 

CANTIGA DE ESCÁRNIO

(caricaturando um dirigente corrupto)

 

 

 

Se de cândido vestias

            o nome que disfarçavas

            enquanto crespo escondias

            que nem sequer te lavavas

            - certo é que tresandavas

            às mais podres porcarias

            e tolo te alcandoravas

            a estátua… e te despias!

 

           

           

           

Desmascarado saltaste

            do cimo do pedestal

            e gaguejando alegaste

            por que cheiravas tão mal

            - não porque te descuidaste

            mas por seres um papão tal

            que comeste e engordaste

            emprenhando o capital...

           

 

 

 

(Da série  Rimas da Hora ao Rubro, 1974-77)

                               

 

                        Fernando Pinto Ribeiro

                        In: “literatura d’agrafo”, n.º 19, lavra…Editorial

 

 

 

AO NOVO DIA

                      A Joaquim Murale

Rebenta dos abismos às montanhas 
o sangue que incendeia a madrugada 
E um novo dia irrompe das entranhas 
da terra finalmente fecundada

Foices malhos enxadas e gadanhas 
e punhos semeando-se em rajada 
contra lobos ocultos entre as brenhas 
alevantam pendões de tudo-ou-nada

Acorda o novo dia. E desta vez 
o sol nasce nas mãos do camponês 
e põe-se na tigela do operário

Multiplicado o pão por quem o fez
não mais há-de ser hóstia que o burguês
consagre dando a fome por salário

                       

                                   Fernando Pinto Ribeiro

In: Colectânea Poética “Azul(v)ejo - Louvor ao Planeta Terra", lavra... Boletim de Poesia, 2004  e “literatura d’agrafo”, n.º 19, lavra…Editorial




BAILIA DO RIO DOURO

                                   A eduardo roseira*

 

 

Ó rio corre contente

de Castela a Portugal

vem reinar na lusa gente

rumo ao porto em arraial.

Traz à dança da rabela

o rabelo e vai feliz

arrais ao vento e à vela

buscar a arcaica matriz**

 

 

                Baila rio d’ouro

                com essa riqueza

                que eu guardo o tesouro

                de tanta beleza!

                Baila assim dourado

                num bago de vinho

                que eu brindo a teu lado

                a um fado marinho!

 

 

Aperta no longo abraço

o Portugal maila Espanha

e concerta-os a compasso

no laço que mais convenha.

Vai afogar os desejos

além-ribas sobre o vale

nesse mar     enche-o de beijos

de ouro de sol e de sal...

 

**Matriz: barco grande que no Douro se empregava, outrora, no transporte de mercadorias.

*Dedicado na Antologia “Poetas de Sempre”, Editora Cidade Berço, Guimarães, 2005

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: Colectânea Poética “Correntes…

                                   Louvor aos rios”, lavra…Editorial, 2003

 

 

 

 

BARCAROLA SOBRE O TEJO

 

Nesta casquinha de noz

sobre o Tejo a baloiçar

vem     amor     e vamos sós

um do outro par a par

 

               lantejoulas furta-cores

               cintilando ao desafio

               vão cegar-te se não fores

               ver-me ao espelho no rio

 

               vem zumbir  feliz besoiro

               nos fulgor’s do teu perfil

               crivá-lo de estrelas d’oiro

               de mil centelhas de anil

 

abro-te as asas     barquinha

à brisa deste desejo

de ser’s uma libelinha

a qu’rer poisar-se num beijo

               como os que a nossa casquinha

               de noz recebe do Tejo

 

ergo-te as velas     barquinha

ao sopro do meu desejo

 

               sem saber donde nem quando

               e até onde vamos nós

               fugir do mundo ficando

               um do outro e ambos sós

e eu sem amor naufragando

meu amor     quase sem voz

 

               vou-te amando a lume brando

               nesta casquita de noz

 

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: Colectânea Poética “Correntes…

                                   Louvor aos rios”, lavra…Editorial, 2003

 

 

 

PRELÚDIO

 

                     A

                   Julião Bernardes

                   Poeta  cantor.

 

 

 

Canto

quando o vento fala

 

            e as estrelas vêem

 

            vêem que os poetas

            são vozes de vento

 

            seus olhos nos olhos

            das noites despertas

            com dedos acesos

            em cegos planetas

 

canto

enquanto a lua chora

 

            até o sol florir

           

            lágrimas que morrem

            de botões a abrir

 

            canto

 

            quando o mundo acorda

 

            para eu não dormir

 

 

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: Colectânea Poética “Azul(v)ejo - Louvor ao Planeta                                                                Terra", lavra... Boletim de Poesia, 2004

 

 

 

AO PÃO DA MINHA FOME

 

                     A

                   Maria Natália Miranda

 

 

Rompendo a terra

para a florir

e repartir

por toda a gente

 

            o pão

            é mão que encerra

            todo o porvir

            numa semente

 

o pão é mão

que dá o que recebe

e Deus lhe deu

 

            fome que come

            quanto sofreu

 

            e pede à sede

            água do céu

 

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: Colectânea Poética “Azul(v)ejo - Louvor ao Planeta                                         Terra", lavra... Boletim de Poesia, 2004

 

FADO CONVITE

                        A

                   Maria Luzia Esteves

                   - ao seu luminoso Teatro de Revista

 

Cantai comigo, cantai,

alegrai o coração:

o que morreu já lá vai

e a tristeza não dá pão.

Quem canta seu mal espanta

e nunca sente canseira

se refrescar a garganta

com chazinho de parreira…

 

            Estou bem acompanhado

            por este fado

            que me consola,

            com a guitarra, de um lado,

            do outro lado, a viola.

            Cantando venha comigo

            quem for amigo

            de uma noitada…

            a cantar, é como eu digo:

            a vida não custa nada!

 

Ninguém se deve ralar

por não ter muito dinheiro:

a rir, a rir, a brincar,

a saúde está primeiro.

Vou ser do fado e da farra

já que o destino assim quis,

tocar viola e guitarra,

pôr a cantar o País.

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   Colectânea Poética “Valsa da Vida

                                   Louvor à Vida e aos seus prazeres”, lavra…Editorial, 2005

 

 

 (FAN)FARRA FADISTA

                     A

                   Augusto Grácio

                   - ao Pintor de Lisboa (e do Fado)

 

Fadistas gente bizarra

da boémia de Lisboa

aventureiros que à farra

o fado amarra e magoa

quando afaga ou atordoa

os nervos duma guitarra

beijada bem abraçada

para que a dor lhe não doa

 

            São tresnoitados arrebatados

            que têm fama de rufiões

            são corações a arfar em chama

            cintilações de astro e de lama

            almas num brado cantado vivido

            soluço afogado em alarme e alarido

            e peito rasgado à unha da garra

            que na guitarra crava um gemido

 

O fado não é só pranto

na ronda das horas mortas

é patuscada no campo

e desgarrada nas hortas

toirada fora de portas

vinho a jorrar da torneira

ensejo de mais um beijo

vida airada bebedeira

 

 

                                   Fernando Pinto Ribeiro

                                   In: Colectânea Poética “Valsa da Vida

                                   Louvor à Vida e aos seus prazeres”, lavra…Editorial, 2005